Dias atrás, disse a pessoas como vocês que cada um
lida com as coisas do jeito de pode, que consegue.
Uns se dão melhor, outros, mais ou menos. E há
sempre os que arrebentam a cara quando, certos de que descobriram a brecha, se
lançam contra uma parede dura como rocha.
Ah, e lógico, existem sempre também os que nunca se
preocuparam com porra de brecha nenhuma.
Mas não é sobre estes últimos que eu quero falar.
Quero falar sobre aqueles que não têm outra
alternativa a não ser buscar a brecha.
Não fazem isso porque querem, gostam ou escolheram
essa meta na vida. Fazem porque essa é a única maneira de sobreviverem, que
dizer, a única maneira de continuarem caminhando sobre o planeta fingindo ser
iguais a todo mundo.
Se parassem de se ocupar em buscar a tal brecha,
certamente entrariam em colapso total, explodiriam como bolhas de sabão,
espirrando merda para todos os lados.
É a busca, a esperança de que a brecha realmente
exista e possa ser encontrada que os mantém razoavelmente sociáveis, escapando
do risco de serem linchados ou encarcerados em manicômios ou prisões.
Mas, de repente ou aos poucos, você percebe que já
não resta muito tempo. É provável que você morra antes de encontrar a brecha.
Resumindo, você toma consciência de que está
ficando velho.
E cada um lida com as coisas do jeito que consegue.
Alguns fazem seguidas plásticas no rosto e no
corpo. Outros ingerem substâncias que prometem um pouco mais de tempo extra de
vida. Outros se convertem a alguma espécie de culto. Enfim, cada um, dependendo
de suas condições financeiras, físicas e mentais, procura um caminho que atrase
ao máximo o trajeto pelo túnel sem luz no final.
E, claro, nunca podemos esquecer que existem os que
não se preocupam com isso e que apenas compram um túmulo e esperam a sua hora
chegar pacificamente.
Se há uma coisa que admiro em Mick Jagger é a sua
coragem de deixar a pele do rosto cair à vontade, deixar as rugas criarem seus
rastros na face. E logo ele, cuja beleza, tanto quanto a voz, foram e são
fundamentais para continuar atuando em sua profissão.
Não sei direito por que incluí Jagger nessa
conversa, mas acho que no fundo tem tudo a ver com o que estamos discutindo
aqui.
Ou seja, o tempo não espera por ninguém e você não
pode ter sempre tudo o que você quer, mas, às vezes, se você tentar bastante,
você pode conseguir o que você precisa.
Obrigado pela atenção e até qualquer dia.
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Anos atrás, eu teria pelo menos tentado começar a
ler as 63 páginas e meia que os membros do conselho da igreja me encaminharam,
estabelecendo rumos e diretrizes do livro que, segundo eles, faria de seu
pupilo prodígio o maior líder neopentecostal do país, e talvez do mundo.
Lógico que, como sempre fazia nesses casos, eu
abandonaria a coisa depois da décima ou décima-primeira página e acabaria
escrevendo o que eu achava que os caras esperavam que eu escrevesse. E em geral
dava certo.
Só que, ao pegar todo aquele calhamaço, eu só
consegui passar os olhos em diagonal pelas primeiras duas ou três páginas e
senti que, se insistisse numa leitura mais aprofundada, ia acabar tendo uma
convulsão semelhante às que eu tinha durante os períodos de abstinência do
álcool e das drogas.
Escrever aquele negócio, contudo, abria a
possibilidade concreta de levantar uma grana suficiente para me manter por mais
alguns anos escondido na minha caverna.
Voltei a pegar a brochura, mas a sensação de uma
convulsão de aproximando fez com que eu largasse os papéis em cima da mesa e
saísse para caminhar na chuva fina que caía lá fora.
Ao voltar, sentei no PC sem me secar, procurei uma
estação de blues no smartphone, coloquei os fones e pousei os dedos no teclado.
Já que estava lidando com essas coisas de pastores,
milagres, revelações e não sei mais o que, por que não tentar deixar que o tal
do Espírito Santo me ditasse o que eu devia escrever?
E, acima de tudo, eu precisava da porra do dinheiro
para prosseguir na minha peregrinação rumo à invisibilidade, seja lá o que isso
significasse.
Tipo uma semana depois meu amigo me ligou para
saber como andavam “as coisas”.
Respondi que há dois dias o Espírito Santo tinha
interrompido a comunicação e eu estava esperando um novo contato para poder
prosseguir.
Ele disse que estava falando sério e queria saber
como ia a porra do livro.
Expliquei que eu ainda estava “pegando a mão”, mas
a coisa devia começar a deslanchar logo, pelo menos era o que eu esperava.
Ele perguntou se não havia pelo menos umas folhas
pros caras verem.
Afirmei que, em hipótese alguma, ia mandar “a
coisa” em pedaços. Só mostraria o livro pros pastores por inteiro, acabado.
Antes disso eu não ia mandar merda nenhuma pra eles.
Meu amigo começou a gaguejar, dizendo que o pessoal
não ia aceitar isso. Eles não iam continuar financiando um projeto no escuro.
Tá certo que os caras eram estranhos, mas não
malucos.
Sugeri que ele dissesse aos pastores que eles não
precisavam se preocupar porque aquele era meu “método de trabalho” usual e
sempre dava certo.
Além disso, o Espírito Santo, desde que comecei a
escrever o livro, andava se comunicando diretamente comigo e sua opinião também
era a de que o livro só deveria ser conhecido por mais pessoas - além dele,
Espírito, e de mim - depois que estivesse pronto.
A mensagem precisava ser passada de uma só vez,
para que surtisse o efeito desejado. Enfim, os pastores deveriam “ter fé” em
que tudo sairia como o pretendido.
Meu amigo ficou um longo período em silencio do
outro lado da linha e desligou o celular.
Mais ou menos três semanas depois, o celular voltou
a tocar e meu amigo disse:
“Olhe, não me pergunte como. Não sei se fui eu, se
foi a sua história maluca sobre o Espírito Santo ou se foi o próprio, o
Espírito, quero dizer, mas a questão é que consegui enrolar o pessoal até
agora. Mas assim você vai acabar fodedo com tudo, porra. Escreve uma merda
qualquer e manda pra eles, só pra ganhar tempo.”
- O livro tá pronto, eu respondi.
- Pronto?, ele gaguejou, como sempre fazia quando
seu nível de estresse e pressão sanguínea ultrapassava limites perigosos.´
- Vou mandar por e-mail daqui a pouco.
- Sério?
- Sério.
Como da vez anterior, ele ficou em silêncio por um
logo tempo e desligou.
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