– Existe esse troço de escrever pra determinada idade?, perguntou meu filho.
– Sei lá, respondi.
Acho que sei pra quem foi escrito On The Road.
Mas pra quem diabos foi escrito A Arte Zen da Manutenção de Motocicletas?
E Notas de um Velho Safado?
Agradecer
por essa mijada. Ficar vivo pra mijar outra vez.
Às
vezes, epifanias acontecem enquanto seguramos o pinto e olhamos pro fundo de
uma privada qualquer. E de repente descobrimos que só nos resta sobreviver até
a próxima mijada.
O
resto?
Bem, o resto é muito complicado.
Ainda
mais com cobras rastejando na cabeça
Um
cara que virou boina-verde, foi pro Vietnã e voltou de lá chapado de tudo até
as orelhas foi quem primeiro me falou sobre as cobras.
Por
milagre de Deus ou maldição do Demônio, tempos depois conseguiu ficar limpo.
Mas vivia se queixando das cobras que rastejavam na sua cabeça.
Minha
preocupação no momento, porém, não envolve cobras ou outros seres rastejantes,
mas o fato de achar Ramones cada vez mais parecidos com Beach Boys.
Primeiros
sinais de senilidade ou apenas efeito colateral da altitude do lugar onde estou
em relação ao nível do mar do local onde vivia?
De
qualquer forma, é bom estar vivo.
E
sentir coisas.
Qualquer
coisa, como disse o Keith Richards.
Cruzando
a linha dos 70, concluiu também que é impossível amadurecer e, segundo ele, haverá
bastante tempo para isso quando estivermos a sete palmos debaixo da terra, ou
transformados em cinzas que se espalham por aí ao sabor do vento.
A
questão é que faltavam poucas horas e eu não tinha ideia do que dizer pra
aquelas pessoas. E elas tinham pagado pra ouvir.
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Afinal, é estupidez escrever sobre experiências? Qualquer experiência, em especial as que podem significar somente lixo pras outras pessoas, mas que foram importantes para nós?
Sim
e não.
Escrever
sobre uma experiência nos rouba o tempo que podíamos dedicar a viver novas
experiências. Mas também pode nos ajudar a tatuar mais fundo, na mente e no corpo,
a experiência sobre a qual escrevemos.
Como
nunca se tem certeza do que vai acontecer, vamos deixar esse assunto quieto por
enquanto e vamos direto ao ponto.
Ficamos
velhos e não sabemos o que diabos fazer com isso, além de engolir certos remédios
em certos horários, tentando evitar que as dores no corpo piorem e os lapsos de
memória não sejam mais frequentes. Acima de tudo, torcemos pra ficar vivos o
maior tempo possível sem mijar e cagar nas calças. E, com sorte, falando coisas
que as pessoas mais ou menos entendam e que elas digam coisas que a gente mais
ou menos entenda.
Escrevi
aí na lousa: “Seguir o caminho, então desistir. Deixar para a vida enfim
decidir.”
Bonito!
Até rima.
Mas
as coisas em geral não funcionam desse jeito.
Alguns
de nós tentaram e alguns iluminados que sempre surgem aqui e ali até
conseguiram alguma coisa. A maioria, porém, acabou desistindo, espontaneamente
ou obrigada pelas circunstâncias adversas que começaram a tomar conta de suas
vidas.
Mas
alguns, por incrível que pareça, continuam tentando até hoje.
E,
claro, existem aqueles que jamais se preocuparam com merdas desse tipo.
Aparentam
viver permanentemente dopados por algum tipo de substância que os torna incapazes
de, enquanto o efeito dessa droga for eficaz, sequer imaginar que existam cobras rastejando na cabeça
de alguém, muito menos nas suas.
Parecem
sempre muito preocupados com inúmeras outras coisas, o que os mantém
ocupadíssimos até a morte.
Como
nunca lhes passou pela cabeça que possam existir outros tipos de espécimes humanos
coabitando no mesmo planeta, quando são inevitavelmente confrontados com nossa
existência, raramente conseguem entender do que estamos falando. Parecem coisas obscuras, sem sentido,
talvez alucinações e prováveis sintomas de uma doença perigosa da qual fogem
como dizem que o Demônio foge da cruz.
E
a questão é simples: cada um lida com as coisas do jeito que consegue.
A
maioria das pessoas vira zumbis. Outras acabam se matando antes disso, por
suicídio programado ou acidental. E outras ainda, como escaparam de virar
zumbis e permanecem vivas, continuam, acreditem ou não, procurando a tal de brecha
mágica.
Mesmo
entre profetas e santos - dentro e fora dos hospícios -, há sérias dúvidas
sobre a existência dessa brecha.
Seja
como for, passar o tempo que nos resta na Terra procurando pela brecha não
parece a pior das ideias, até porque pode nos salvar de virar zumbis, de
planejar um suicídio ou de ser “vítimas” de um suicídio acidental por ingestão
excessiva de substâncias que, aparentemente, nos levam mais perto de descobrir
como funciona esse negócio de brecha mágica.
E
para certas pessoas, talvez só reste mesmo essa busca como alternativa a virar
zumbis (na verdade, eles não nos aceitariam jamais) ou planejar um suicídio ou
sumir de repente num suicídio acidental.
Por
isso, insisto: é preciso se concentrar em ficar vivo até a próxima mijada.
O
resto é muito complicado
.
Obrigado
a todos! Espero que nos reencontremos em breve.
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O resto sempre foi muito complicado. Mas nem sempre notamos.
ResponderExcluirMuito bom. Há parágrafos (quase todos) que eu podia ter escrito. Mas não é por isso que é bom, claro. É bom porque é bom.
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