Já
repararam como somos absurdos?
Volta
e meia, por questão de segundos, percebemos isso.
Como
se, de repente, nossa origem alienígena dos mandasse o recado de que, por mais
que tentemos, não conseguiremos nos adaptar totalmente ao mundo em que fomos
jogados.
E,
em certos momentos, essa nossa incapacidade fica mais clara, a ponto de pessoas
próximas ficarem se perguntando se não há algo de errado conosco, alguma
disfunção ainda não catalogada.
Enfim,
como diziam os ancestrais, “damos bandeira”, e agradecemos por não haver nenhum
tira ou psiquiatra por perto para nos colocar em cana ou em um hospício.
Mas
vamos por enquanto deixar essas teorias interplanetárias de lado e pensar um
pouco mais concretamente sobre o absurdo que às vezes sacamos que somos.
Claro,
tem muita gente que nunca teve nem terá essa sensação.
Contudo,
estamos conversando aqui sobre as pessoas que, de vez em quando, sentem que, se
a vida é absurda, elas são mais absurdas ainda tentando a todo custo dar algum
sentido a suas vidas absurdas.
Vejam
bem, não estou falando daquele tipo de absurdo de que a gente nasce, cresce,
envelhece e morre. Refiro-me ao absurdo maior ainda que é o modo como lidamos
com esse ciclo natural de acontecimentos, comuns a toda a humanidade.
Por
mais que nos esforcemos, sempre fazemos alguma coisa estúpida, absurda em
relação a determinado assunto com o qual estamos lidando. O problema é que só
percebemos isso depois que a cagada foi
feita e não há como voltar atrás.
Embora
não seja médico, psiquiatra, guru, padre, pastor nem nenhum tipo dessas coisas,
é comum as pessoas me perguntarem se esse troço tem cura.
Sempre
respondo que não faço ideia, mas que me esforço para preservar – e como mais
frequência ainda, resgatar – a sensação de esperança de que isso é possível,
mesmo que dure apenas pequenos momentos que, quem sabe, possam ir se ampliando,
até nos permitir encontrar a brecha, a verdadeira brecha.
A
esta altura, vocês devem – ou sinceramente deveriam – estar se perguntando que
merda estão fazendo aqui, com as suas bundas esquentando suas cadeiras e
vice-versa, ouvindo um sujeito que confessa que sabe,tanto como escapar pela
brecha quanto vocês. Ou seja, praticamente porra nenhuma.´
Bem,
essa resposta só vocês poderão dar.
De
minha parte, diria que os três patetas já estão mortos. Mas eu continuo vivo.
####
Nunca
entendi direito a reação automática das pessoas aplaudirem no exato momento em
que alguém acaba de falar. Acho que é impossível que elas consigam digerir e
menos ainda refletir sobre tanta coisa que foi dita. Em todo o caso, foi isso
que aconteceu quando agradeci a atenção e me despedi.
Quando
escapava pelos bastidores, fiquei esperando que alguém gritasse de novo
“babaca”, mas desta vez ouvi: “Não deviam deixar esse cara solto.”
Talvez
o autor da frase tivesse razão, mas eu estava ocupado demais começando a ficar
invisível e sumindo nas ruas.
####
Atendi
o celular e ouvi: “Os caras querem que você faça seu preço?”
-
O quê?
-
Quanto você quer pra fazer a continuação da porra do livro?
-
Agora estou mergulhado no “Escrachando o Demônio”. Arruma outro cara pra fazer
a continuação. Tá cheio de sujeito aí que consegue ser tão ou mais idiota do
que eu.
-
Eles querem você. Disseram que você sabe
traduzir e simplificar a “linguagem do Espírito Santo”, coisas do tipo. Pior, começaram
a usar o “Mar Vermelho” nos cultos. Quase não citam a Bíblia. E o tal pastor
prodígio que eles queriam promover teve um AVC punk e agora tá quietinho e
mudinho numa cadeira de rodas.
-
Por que os caras não fazem aqueles milagres lá deles e resolvem isso?
-
Eles dizem que não dá pra fazer milagre porque o garoto não quer. Na visão
deles, foi o próprio garoto que quis ficar fodido assim.
-
O quê?
-
É, diz que assim ele ouve melhor a voz do Espírito Santo.
-
Mas, se ele tá mudo, como é que os outros pastores sabem que ele virou abóbora
por vontade própria?
-
Ele se comunica mentalmente com os outros pastores. Foi ele que disse que só
você podia fazer a continuação do livro dele. Mas não foi por isso que eu te
liguei.
-
Ligou pra quê então?
-
Aquele teu negócio do “Escrachando” tá crescendo, já percebeu? Uma porção de
acessos por dia.
-
Eu desisti desse troço há uns dois meses. Não linquei mais o blogue.
-
Por que você desistiu?
-
Perdi o tesão. Agora tenho passado a maior parte dos dias atirado bolinha pra
dois de meus cachorros viciados nesse tipo de coisa. Não sobra muito tempo pra
mais nada.
-
Você acha que pode retomar o blogue?
-
Pra quê? Meus cachorros ficariam confusos.
-
Reserva um período específico pra isso, quer dizer, pra atirar bolinha. Assim
eles acabam se acostumando que é só naquela hora que você vai atirar bolinha e
nos resto do tempo você escreve no blogue.
-
Sabe, a verdade é que eu tô achando mais divertido atirar bolinha do que
escrever no blogue.
-
Tudo bem, mas a gente podia tentar um lance. A gente faz um acordo lá com teus
amiguinhos
hackers, eles dão uma ressuscitada no blogue e depois a gente junta
os textos e edita um livro. Monta outro esqueminha pra esquentar o livro on
line e por aí vai. Se você fizer mais uns, sei lá, 20, 30 posts, acho que já dá
pra fechar um livro. O que você acha?
-
Não sei, preciso pensar um pouco.
Conversar com a minha mulher, meus cachorros, pesar os prós e os
contras, essas coisas.
-
Pensa aí, mas esse troço do “Fodendo o Demônio”, acho que pode dar o maior pé,
se a gente fizer a coisa direitinho.
-
Não é “Fodendo”. É “Escrachando”.
-
Que seja. Pensa aí.
- E a porra da continuação do livro dos pastores?
- Ah, fodam-se os pastores. Eles que resolvam o problema
deles lá. Vamos partir pra outra, livro, DVD, palestras e assim por diante.
Quem sabe até um programa na TV a cabo.
- Por que essa mudança súbita de ideia? Cansou de ganhar
dinheiro com os pastores?
- Já te disse, fodam-se os pastores.
Foram suas últimas palavras, após ficar um longo período
em silencio e desligar o telefone.
Era
totalmente inútil tentar imaginar por que meu amigo havia mudado tão
subitamente de ideia quanto a fazer uma continuação do “Além do Mar Vermelho”.
Quem
o conhecia bem sabia que sua cabeça funcionava como aquelas birutas de
aeroporto. Além disso, era vítima de crises de tédio ancestrais sempre que
ficava alguns meses tratando de um mesmo assunto.
Quando
esse tédio atávico batia, ele, primeiro, começava a se chapar pesado com a
droga de sua preferência no momento. Daí, era obrigado a entrar pra uma
reabilitação, período em que ficava maquinando o que poderia fazer quando
estivesse fora da clínica.
Talvez
tudo isso estivesse interligado, mas pra mim não tinha importância agora.
Minha
cabeça estava fixada sobre aquilo que falou a respeito de um livro, DVD,
palestras e assim por diante. Inclusive, o que mais me preocupava era o “assim
por diante”, porque podia significar coisas mais loucas ainda do que tudo o que
ele falou, incluindo o programa de TV a cabo.
Para
quem estava interessado em se tornar invisível, aquela conversa toda soava como
um grande pesadelo.
Mas,
ao mesmo tempo, a ideia de soltar um livro chamado “Escrachando o Demônio com
um Chute nos Bagos”, independente do que estivesse escrito nele, reascendeu em
mim algo que eu sinceramente pensava estar definitivamente morto e enterrado:
A
irresistível vontade de fazer algo completamente irresponsável sem nenhum
objetivo específico, como quando somos moleques e atiramos uma pedra numa
vitrine apenas para ouvir o barulho que o vidro faz quando se estilhaça.
Passei
as semanas seguintes alternando o lançamento de bolinhas pra meus cachorros com
períodos sentado ao computador, escrevendo o que me vinha à cabeça sobre as
diversas formas imagináveis e possíveis de acertar os bagos do Demônio.
Quando
o fluxo travava, eu ia dar uma volta da chuva que caía fora da cabana.
Nunca
cheguei a reparar que sempre que eu travava, chovia e eu saía pra caminhar.
Voltava
encharcado, sentava ao teclado e o fluxo voltava.
Seja
qual fosse o motivo, funcionava, pra azar dos bagos do Demônio.
Entrei
num ritmo quase frenético e às vezes chegava a postar dois ou três textos num
só dia no blogue, principalmente em dia de chuva.
Aliás,
nos dias de chuva também não atirava bolinhas pros cachorros.
É
bem provável que isso tudo estivesse relacionado, mas preferi não pensar sobre
o assunto e usar o que me restava de energia para continuar fodendo os bagos do
Demônio.
Um
dia, meu amigo mandou um e-mail com uma única palavra: PARA, assim mesmo, em
letras maiúsculas.
Ele
devia ter dito isso há duas ou três semanas. Agora não dava pra parar sem
concluir aquilo tudo. Não fazia a mínima ideia do que exatamente precisava ser
concluído. Mas tinha certeza de que isso era extremamente necessário.
A
gente não chuta os bagos do Demônio e simplesmente vira as costas.
(CONTINUAÇÃO , CLIQUE EM "POSTAGENS MAIS ANTIGAS")
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Envolvente!
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